QUANDO A ESSÊNCIA SE VAI
“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Ajuntai os vossos holocaustos aos vossos sacrifícios e comei carne.
Porque nada falei a vossos pais, no dia em que os tirei da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa alguma acerca de holocaustos ou sacrifícios.
Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; andai em todo o caminho que eu vos ordeno, para que vos vá bem.”
(Jeremias 7.21-23)
Neste capítulo, o profeta vai até a porta do Templo e inicia mais uma de suas pregações. O povo havia se distanciado de Deus, a adoração a outros deuses era comum e a prática da justiça estava cada vez mais longe do ideal.
Os estrangeiros, órfãos e viúvas estavam sendo oprimidos, sangue inocente era derramado pelas ruas, roubos e furtos se tornavam cada vez mais comuns, adultérios se multiplicavam e a corrupção havia se espalhado por entre todo o povo.
No meio de tanta bagunça, o povo ainda ia à casa de Deus para apresentar seus sacrifícios, na expectativa de que Deus os perdoaria pela apresentação de alguns animais mortos e algumas ofertas de cereais e bebidas (rituais comuns para o culto daquele tempo).
Após muitas acusações contra o povo e alertas de que se eles fizerem o bem seriam aceitos, o SENHOR diz: “ajuntem todos os sacrifícios e comam da carne deles” (v.21). Alguns sacrifícios eram completamente do SENHOR e deveriam ser de todo queimados, outros eram divididos entre o ofertante, o sacerdote e o SENHOR. Quando Deus diz para que os homens comessem a carne dos sacrifícios é como se Ele dissesse: “não precisam me dar minha parte, comam tudo, Eu rejeito os sacrifícios de vocês”.
Em seguida Deus fala ao povo que a lei não consistia nos sacrifícios que foram ordenados, mas, em primeiro lugar, em um relacionamento com Ele, que afetaria a integralidade da vida.
Oferecer a Deus os sacrifícios que foram prescritos sem atentar para a essência do que Deus quer, não tem valor. Os sacrifícios e os ritos religiosos se tornam vazios se não estiverem vinculados à essência.
Da mesma forma, nós muitas vezes corremos o risco de, em meio aos nossos rituais religiosos, nos esquecermos do verdadeiro significado por trás deles. Corremos o risco de perdermos a essência do Evangelho.
A essência se vai quando:
Usamos os ritos da fé como amuletos
No tempo de Eli, a Arca da Aliança era considerada um símbolo poderoso. No entanto, quando os filisteus a tomaram, ficou claro que a presença da Arca não garantia vitória. Por mais que a Arca simbolizasse a presença do próprio Deus, a guerra foi perdida e a Arca foi tomada do povo.
Da mesma forma, hoje podemos cair na armadilha de usar ritos religiosos como amuletos, acreditando que sua mera execução nos garantirá todos os benefícios que esperamos deles.
Deixar uma Bíblia aberta no Salmo 91 não trará proteção para nossa casa; batizar nossos filhos não garantirá necessariamente a salvação deles; ungir algum objeto não impedirá necessariamente que ele se perca ou se quebre; fazer um jejum longo e rigoroso não trará necessariamente uma resposta favorável de Deus; dar o dízimo ou uma oferta não irá gerar necessariamente prosperidade física.
A Bíblia, os sacramentos, a unção, os jejuns e ofertas funcionam e devem ser feitos. O problema é quando queremos usá-los sem nenhum relacionamento e compromisso com Deus.
Quando os ritos perdem seu significado
O povo participava dos sacrifícios normalmente no templo, e ainda se gabavam dizendo que aquele era “O Templo do SENHOR”. Eles claramente não entendiam que os sacrifícios eram o meio pelo qual eles podiam se voltar para Deus depois de terem quebrado a aliança.
O sacrifício tinha por objetivo devolver ao povo o relacionamento com Deus que havia sido perdido por conta do pecado. Todo o sistema sacrificial culminava na possibilidade de um relacionamento harmonioso com Deus.
O problema é que, sem essa compreensão, o povo queria sacrificar a Deus como um rito que havia sido aprendido para depois saírem do templo e adorarem a outros deuses e continuarem em suas vidas de pecado. O sacrifício havia perdido seu significado e o povo continuava sacrificando sem querer de fato se relacionar com o SENHOR.
Da mesma forma, corremos o risco de realizar os ritos da nossa fé apenas porque fomos ensinados a fazê-los, ou querendo algum benefício deles, mas sem compreender o que estes ritos significam.
Quantas vezes participamos da Ceia do Senhor ou de um momento de batismo sem levar em conta todo o significado que esses sacramentos trazem consigo? A Ceia não é apenas pão e vinho e muito menos é apenas uma lembrança do sacrifício de Jesus por nós; ela é a presença real de Cristo no nosso meio de forma espiritual, nos concedendo graça. O batismo não é apenas água; é a nossa identificação com a morte e ressurreição de Cristo, com o lavar regenerador do Espírito e com a nossa nova vida.
Quantas vezes participamos de um culto apenas para cumprir a cota? Quantas vezes participamos esperando apenas a hora de acabar e podermos sair para o almoço, ou podermos conversar com algum amigo? Todo culto é um momento único em que, estando diante de Deus, em comunhão com o Seu povo, nos achegamos a Ele, recebendo Sua graça, poder e unção, enquanto Lhe rendemos louvor. Qualquer rito sem significado perde seu valor, perde sua essência.
Quando praticamos os ritos sem viver os princípios essenciais da fé
Quando Jesus foi confrontado pelos fariseus porque seus discípulos colhiam espigas para comer no sábado, Ele deu uma resposta clara: “Mas se vocês soubessem o que significa: Misericórdia eu quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes” (Mateus 12.7). Os fariseus, querendo cumprir os ritos da lei, se esqueceram dos princípios elementares da fé.
Em outro momento, falando a respeito dos dízimos, Jesus repreende os fariseus por darem o dízimo até daquilo que não era necessário, mas se esquecerem do principal: a justiça, a misericórdia e a fé.
Nossa fé faz uso de rituais e não quero que você pense que eles não têm importância. Os cultos, sacramentos e demais ritos da fé foram ordenados pelo SENHOR. Quero que você perceba que nossa fé vai além dos rituais e alcança aquilo para o que os rituais apontam. No fim, é Cristo a razão da nossa fé e é para Ele que tudo na vida cristã se direciona.
Sem Cristo em nossa vida, moldando nosso coração e guiando nossos passos, os ritos se tornam cascas vazias sem importância ou poder. Contudo, se Cristo está presente, que poder extraordinário todos os ritos da fé cristã têm!
Com Cristo nossos sacrifícios (ritos) transformam vidas, mudam histórias, quebram vícios, nos aproximam de Deus e nos tornam mais parecidos com Ele. Não viva uma mentira, viva o Evangelho!
– Pr. Gustavo Quirino – Pastor Auxiliar