O EVANGELHO QUE CONFRONTA E RESTAURA: DO LEGALISMO À LIBERDADE EM CRISTO
Gálatas 2:1-21
O capítulo 2 da carta de Paulo aos Gálatas é uma das passagens mais vigorosas do Novo Testamento, não apenas pelo seu conteúdo doutrinário, mas pela clareza com que expressa a centralidade da graça e da liberdade cristã diante das pressões legalistas que rondavam a igreja primitiva. À luz da teologia reformada, esse texto nos convida a uma jornada que passa pela revelação divina, pela defesa do Evangelho da graça e pela confiança absoluta na justificação pela fé em Cristo.
Chamados pela revelação de Cristo
Paulo inicia o capítulo afirmando que foi a Jerusalém “por causa de uma revelação” (v. 2). Ele não agiu motivado por pressões humanas ou pela necessidade de aprovação dos líderes da igreja em Jerusalém. Isso ecoa fortemente o princípio reformado da Sola Scriptura e da Sola Gratia — a fé cristã se baseia, acima de tudo, naquilo que Deus revela por meio de Sua Palavra e em Sua ação soberana.
A Reforma Protestante foi, em essência, um retorno à centralidade da revelação divina. Lutero e os demais reformadores denunciaram os abusos de uma igreja que havia se desviado da autoridade das Escrituras, substituindo a revelação por tradições humanas. Da mesma forma, Paulo não se submete a interpretações humanas do Evangelho, mas permanece fiel àquilo que lhe foi revelado diretamente por Cristo (cf. Gl 1:12). O chamado à fé é sempre obra de Deus, e não de homens.
A graça não pode ser substituída pelo legalismo
O problema enfrentado por Paulo era claro: cristãos de origem judaica estavam tentando impor práticas da Lei mosaica, como a circuncisão, aos gentios convertidos. Isso, segundo Paulo, “anulava” a graça de Deus (v. 21). O legalismo — a tentativa de agradar a Deus por meio de regras e obras humanas — é uma distorção grave do Evangelho.
O Evangelho verdadeiro é intransigente nesse ponto: somos salvos pela graça mediante a fé, e isso não vem de nós (Ef 2:8-9). Sempre que alguém tenta acrescentar algo à obra de Cristo, desfigura-se o Evangelho. Como afirmou João Calvino, “a justificação pela fé é o eixo sobre o qual a religião gira”. Qualquer evangelho que exija algo além da fé em Cristo é, nas palavras de Paulo, um “outro evangelho”, que não é evangelho nenhum (cf. Gl 1:6-7).
Autoridade em Cristo para confrontar heresias
Paulo narra o momento em que confronta Pedro em Antioquia (v. 11-14). Pedro, por temor dos judaizantes, havia se afastado dos gentios e, com isso, comunicava que a comunhão cristã dependia da observância da Lei. Paulo o resiste “face a face”, pois sua atitude “não condizia com a verdade do Evangelho”.
Esse episódio é profundamente confrontador e confortador. Ele mostra que a verdade do Evangelho é maior que a autoridade de qualquer apóstolo ou tradição. Mesmo Pedro, um dos líderes da igreja, teve de ser corrigido. Aqui vemos a atuação do Espírito Santo, que não apenas nos guia à verdade, mas também nos dá autoridade para defendê-la. A igreja verdadeira entende que essa autoridade não está em cargos ou títulos eclesiásticos, mas na Palavra de Deus fielmente proclamada.
Justificados pela fé, sustentados pela graça
O clímax do capítulo está na declaração: “sabemos que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo” (v. 16). Esse é um dos principais fundamentos bíblicos. A justificação é um ato judicial de Deus, pelo qual Ele declara o pecador justo com base na justiça de Cristo imputada a ele, e não em seus méritos pessoais.
Contudo, Paulo não trata essa verdade como uma abstração teológica. Ele mostra que essa justificação transforma a vida do crente: “Já estou crucificado com Cristo; vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (v. 20). A graça que justifica também sustenta, molda e dirige nossa existência. Isso refuta qualquer ideia de que a graça nos leva à indiferença moral. Pelo contrário, ela nos chama a uma vida de dependência de Cristo e de obediência alegre.
O Evangelho que liberta e transforma
Gálatas 2 é um chamado à vigilância teológica e à fidelidade ao verdadeiro Evangelho. Somos lembrados de que a liberdade cristã não é uma invenção moderna, mas uma conquista da cruz. Não devemos nos submeter a jugos humanos ou a tentativas de manipular a graça de Deus. A Palavra nos ensina a viver essa liberdade com humildade, gratidão e firmeza.
O Evangelho confronta — pois denuncia os falsos caminhos do legalismo e do orgulho espiritual. Mas também restaura — pois nos reconcilia com Deus, nos une como corpo e nos firma na justiça de Cristo. Que essa mensagem continue a nos moldar, a nos purificar e a nos conduzir sempre mais profundamente na liberdade que há em Jesus.
– Pr. Luís F. Nacif – Pastor Auxiliar