“Tios” demais, pais de menos
Não sei dizer como foi que tudo começou. Aliás, a maioria dos hábitos sociais que hoje nos cerca começou de maneira descomprometida, sem que ninguém determinasse que isso seria, anos mais tarde, uma prática institucionalizada. Basta pensar em coisas comuns que estão entranhadas no nosso cotidiano.
O que se diz de uma pessoa que faz de tudo um pouco?! “É igual …. tem mil e uma utilidades”. Ou daquela que tem um belo sorriso?! “Sorriso …” Citei exemplos de coisas corriqueiras. Porém, os mais maduros vão se lembrar do tempo em que não se arranjava um bom emprego se não tivesse qual curso? Certo, datilografia! Tentem explicar aos seus filhos ou netos do que se trata esse negócio. Para evitar problemas, eu ainda guardo a que ganhei quando entrei no Ginásio, que era outra obrigatoriedade para quem aspirasse a um bom emprego.
Como o tempo passa ligeiro! Estes hábitos se implantam cada vez mais rápido em nossa cultura. Quem diria, há dez anos, que crianças de 5 anos de idade iriam para a escola levando consigo um aparelho de telefone celular com câmera fotográfica, MP3, GPS e outros acessórios?! Aliás, quem poderia dizer, dez anos atrás, o significado de GPS e MP3?
Pois é! Estamos tão envolvidos neste processo que não nos demos conta de que alguns destes costumes penetraram em nossas casas e nem mesmo tivemos tempo de avaliar se seriam úteis ou não, nem se trariam benefícios ou prejuízos. Quando a questão é meramente tecnológica, fica mais fácil avaliar. Alguém se recorda das máquinas fotográficas Kapsa, a “máquina fotográfica prodígio”, ou das calculadoras Burroughs Ten-Key, ou das enceradeiras Arno Super, que “faz maravilhas com uma só escova” ou ainda das válvulas de TV Toshiba?
Minha abordagem, porém, é sobre as famílias e como elas estão organizadas nos dias de hoje quando o assunto é a educação dos filhos. A coisa mudou tão rapidamente que corro o risco de ser avaliado como um homem ultrapassado, quem sabe contemporâneo das propagandas que mencionei. Gostaria apenas que o leitor acompanhasse minha linha de raciocínio e depois fizesse seu próprio juízo.
Gostaria de iniciar minha argumentação fazendo a seguinte pergunta: Qual a definição que os dicionários apresentam para as palavras tio ou tia? “Substantivo masculino; o irmão do pai ou da mãe em relação aos filhos destes”, segundo Dicionário Michaelis. Os meus tios e minhas tias eram pessoas que visitavam a nossa casa de vez em quando, traziam os primos, e os meus avós gostavam muito quando todos se reuniam na casa deles nas festas e nos aniversários. Tão logo minhas filhas foram para a escola, elas, ao invés de se encontrarem com as professoras, passaram a encontrar-se com as “tias”. Com o passar do tempo, essas palavras vieram designar outros tipos de pessoas. O conceito expandiu-se, e logo havia a “tia” da cantina, o “tio” da portaria, o “tio” da Kombi, e por aí vai.
O papel dos pais está praticamente restrito ao pagamento das contas dos ‘tios’ e das ‘tias’. Salvo
raríssimas exceções. E nós não sabemos dizer como foi que tudo começou.
Agora estou assustado quando ouço os pais falarem da vida acadêmica de seus filhos de 3, 4 anos de idade, que logo cedo vão ficar com a “tia” da creche. Quando retornam com o “tio” da van, chegam na hora do almoço para se encontrar com a “tia” que cuida da casa. Se já são mais crescidinhos, à tarde vão para a “tia” do Kumon e o “tio” do inglês. Se meninos, para o “tio” da aula de música ou para o “tio” da natação. Se meninas, para a “tia” do balé. Não podemos nos esquecer dos “tios” da aula de vôlei. Essa aula vale ouro olímpico!!! Corre-se o risco de ver todo o investimento na educação das crianças se perder. Então, o que é feito? Contrata-se a “tia” do reforço escolar para garantir que todos os deveres serão feitos e revisados.
Graças a Deus, somos cristãos, e logo chega o domingo, e as crianças irão para o culto de manhã e participarão de um poderoso e atraente estudo bíblico com as “tias” da escola dominical. À noite retornamos para o culto. Como as crianças são especiais, temos um culto todo especial preparado para elas pelos “tios” e pelas tias do ministério infantil. Como ninguém é de ferro, as férias chegam e as crianças precisam se divertir. Elas são enviadas para um acampamento ou para um hotel legal, e ficam sob os cuidados especializados dos “tios” e das “tias” recreadores. Outros pais enviam anualmente seus filhos para uma viagem missionária, acompanhados dos “tios” e das “tias” da missão tal.
“A Palavra de Deus não deixa dúvidas de que muitas das coisas entregues aos ‘tios’ e às ‘tias’ deveriam estar debaixo da responsabilidade paterna e sendo por estes executadas. Este é apenas um dos conflitos que vivemos em nossos dias quando o assunto é paternidade. Precisamos, rapidamente, rever alguns conceitos bíblicos.”
A conclusão a que chego é inevitável: é “tio” demais e pai de menos! É “tia” demais e mãe de menos! A isso eu chamo de terceirização da paternidade! O papel dos pais está praticamente restrito ao pagamento das contas dos “tios” e das “tias”. Salvo raríssimas exceções. E nós não sabemos dizer como foi que tudo começou.
A Palavra de Deus não deixa dúvidas de que muitas das coisas entregues aos “tios” e às “tias” deveriam estar debaixo da responsabilidade paterna e sendo por estes executadas. Este é apenas um dos conflitos que vivemos em nossos dias quando o assunto é paternidade. Precisamos, rapidamente, rever alguns conceitos bíblicos que dizem respeito à tarefa dos pais: o que pode ou não ser terceirizado, o que devemos aceitar como encargo exclusivamente nosso e como a igreja local pode nos ajudar nesta tarefa.
Pesquisas têm mostrado que este modelo não tem sido bem sucedido. Algo em torno de 60 a 80% dos jovens que foram criados na igreja a abandonam quando chegam à faculdade (www.fenolar.org.br). Mas creio que temos uma boa oportunidade de investirmos em mudanças que preservarão nossos filhos da ruína que se abateu sobre Israel no período dos juízes (Juízes 2.10).
Deuteronômio 6 era para Israel um texto preventivo, do ponto de vista de Deus, contra a apostasia. E a ruína descrita em Juízes era a consequência da não observância destas instruções, conforme adverte o capítulo 8, versos 11 a 20. O que fazermos então para que a fé de nossos filhos seja preservada? Leve-a para dentro de casa! Como resume o pastor Mark Holmen, autor de A Fé Começa em Casa: “O problema das famílias não reside no que está acontecendo na igreja, mas no que não está acontecendo em casa”.
Precisamos de um reavivamento de Deuteronômio 6: que os pais voltem a falar em casa sobre quem é Deus, sobre o que Ele tem feito pela família e sobre como amá-Lo de todo coração, de toda alma e todo entendimento. Assim, Ele continuará sendo o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, ou seja, o Deus do pai, do filho e do neto, por muitas e muitas gerações. Que assim seja.
DINART BARRADAS DE SOUZA